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Felipe Neto e a literatura

Felipe Neto é assunto novamente. Coisa de Criança já falou dele quando o youtuber prestou um serviço importante para a segurança das crianças na Internet. Ele marcou muitos pontos. Mas agora, Felipe Neto, ao falar de literatura brasileira, você errou feio. E presta um desserviço para a garotada.

Na verdade, Felipe Neto falou o que muita gente acha. Temos de reconhecer que há pessoas que compartilham com ele a visão de que os autores clássicos, como Machado de Assis e Álvares de Azevedo, que ele cita, não são para adolescentes.

De onde vem essa percepção? Coisa de Criança tenta entender. Não temos uma resposta, mas podemos ensaiar e improvisar. Vamos lá?

O mais importante para que um adolescente sinta-se motivado a ler um livro, seja ele clássico, moderno, contemporâneo, extemporâneo (seja qual for a nomenclatura), é a maneira como a obra lhe é apresentada.

Se toda a trama teórica construída ao redor de uma obra é despejada sobre um estudante antes mesmo de ele ter contato com o livro, dificilmente o volume sairá da estante.

Basta fazer uma experiência simples, sem usar academicismos e sem receio de extrapolar alguns conceitos da teoria literária e deixar colegas pesquisadores arrepiados. A teoria está aí para ser extrapolada e atualizada.

Vamos ao experimento:

Sente-se à mesa do jantar com um jovem que seja leitor fluente, ou seja, não está em fase de alfabetização e já consegue ler por conta própria, e comente que você gostaria de lhe indicar a leitura de um romance que narra a formação psíquica, social, intelectual e pessoal de um personagem.

Conte que o livro é sensacional por apresentar temas próprios do cotidiano que ele mesmo está vivendo em seu círculo de relações, na escola e fora dela.

Quando seu interlocutor começar a digitar a senha do tik tok, complete dizendo que o personagem passa por várias provações e as respostas e atitudes dele vão ajudá-lo a refletir sobre seu cotidiano, as mudanças sociais, físicas, psíquicas etc. Complete localizando o livro no contexto da contemporaneidade. Defina os pilares… Talvez você possa buscar ajuda e se preparar lendo Jameson e identificando o que caracteriza o pós-moderno.

A conversa encaminhada neste sentido só vai afastar o adolescente da leitura. Tem alguma dúvida?

Tire a prova abordando a mesma obra com outras palavras: explique que há um livro, na verdade uma série, que conta a história de um bruxo que perdeu seus pais para um ser do Mal que o persegue enquanto ele estuda numa escola de magia.

Se precisar de mais que isso, conte que o personagem vai ter de passar por várias aventuras que vão sempre desafiá-lo ao extremo e ele aos poucos terá de aprender a tomar decisões e crescer. Tornar-se adulto.

Se você torceu o nariz ao identificar a história da série Harry Potter, compreendemos. Não é um livro que explora tudo o que a literatura pode expressar.

Mas voltemos aos clássicos.

Ao invés de falar sobre o conceito de realismo, como ele se apresenta na literatura e pedir que o estudante debata como o narrador de Machado de Assis está impregnado de um instinto de nacionalidade (para lembrar um importante texto sobre o Bruxo do Cosme Velho), experimente uma abordagem diferente.

Comece dizendo que o livro que você vai mostrar para ele é narrado por um morto. Um morto que foi ao próprio enterro. Quando ele largar o celular, comente que o morto não sabe se é um autor-morto ou um morto-autor. E isso muito antes da proliferação dos zumbis.

Tem alguma dúvida de que a abordagem faz toda a diferença?

A vantagem para o jovem leitor é que, ao contrário da história do bruxinho de Hogwarts, o personagem de Machado de Assis é de uma profundidade impressionante. Seus questionamentos, a forma como trabalha com a questão temporal, a maneira como usa a ironia para criticar e questionar…. São dimensões distantes de bestsellers.

No entanto, se começarmos a apresentar o livro por elas, como se fosse necessário ter o aparato teórico construído ao longo dos anos para usufruir de um clássico, realmente só vamos afastar leitores da leitura dos clássicos, como diz o Felipe Neto.

Outra opção, é não começar com Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas experimentar os contos de Machado de Assis. A Teoria do Medalhão, Missa do Galo, O Alienista… São textos que conquistam o leitor. É quem sabe, aí sim, você poderá debater com o adolescente como Brás Cubas pode explicar muito da formação do Brasil e de nós próprios.

O clássico, Felipe Neto, é assim. Nós nunca acabamos de lê-lo.

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