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A ventania

Estava uma ventania dessas de bater as janelas e fazer as roupas do varal dançar coreografia. Zunia e assobiava noite e dia. Sinal de que alguma coisa acontecia.
 
Enquanto os adultos cochichavam, o menino se escondia. Trancou-se no quarto e fingiu que dormia.
 
Quem sabe, pensou, assim consigo enganar a ventania.
 
Mas nem com muito esforço, conseguiu ignorar o barulho. Parecia uma gritaria. Levantou-se. Atrás da porta, de pé descalço na lajota fria, o menino tentava entender o que se dizia.
 
As palavras rodopiavam e sumiam, antes que pudesse ouvi-las. Catava um pedaço aqui e outro ali, para ver se eram de desespero ou de alegria. Mas nada lhe diziam.
 
Lembrou-se daquele dia, em que sem mais nem menos, trancaram a porta e ninguém mais saía.
 
Explicaram que enfrentavam uma pandemia. Deviam ficar trancados o mais que podiam, evitar tudo, até mesmo brincar com os amigos e abraçar a titia.
 
O menino aprendeu a olhar pela janela e ver o tempo passando. Desenhava o que via e o que não via para não esquecer nada que lhe dava alegria.
 
Aos poucos, acostumou-se com a nova fantasia. Uma máscara para cada dia que saía para ir à padaria.
 
Em casa, inventou um mundo de papelão, magia e amigos imaginários que brincavam de tudo o que queria. Era bom ter os pais ali do lado todo o dia. Mas o que sonhava mesmo era sair correndo pelo bairro e no parquinho com os colegas jogar três Marias.
 
Naquele tempo, não havia ventania como essa que zunia. Quando pensava nisso, os olhos de lágrimas se enchiam… Mas deixou a saudade de lado, e escondeu-se atrás do sofá. De lá, via os adultos na cozinha falando mais alto. O pai até parecia que sorria! Teve certeza de que alguma coisa acontecia.
 
Lembrou-se da telinha, onde o professor de geografia, dizia que um dia tudo passaria. A turma não entendia e perguntava quando seria o tal dia. Ninguém respondia.
 
A ventania não arrefecia. Parecia que até os telhados levaria. Os adultos, na cozinha, agora riam. O pai levantou-se num pulo, e o nome do menino gritou com alegria.
 
– Estou aqui papai – disse ele saindo de trás do sofá. – O que é essa ventania?
 
E o pai o pegou, pedindo para que não tivesse medo. Tinha chegado o dia.
 
Mas o menino não entendia.
 
– Essa ventania, meu filho, é o fim da pandemia. O tempo está varrendo o mundo e devolvendo tudo ao seu lugar.
 
O menino quase explodiu de alegria. E ao ritmo da ventania dançou sua coreografia. Correu para a janela para tentar ver as coisas voltando ao lugar a que pertenciam. Na escuridão fria, imaginou o parquinho, as árvores, as montanhas, a escola, todos voando de volta montados na ventania. E de olhos fechados viu os vizinhos se abraçando pelas ruas e pulando de alegria enquanto a ventania ia.

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